quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

"... Que Leia Mais Do Que Vê Escrito."









Pode um desejo imenso
Arder no peito tanto,
Que à branda e à viva alma o fogo intenso
Lhe gaste as nódoas do terreno manto,
E purifique em tanta alteza o espírito
Com olhos imortais
Que faz que leia mais do que vê escrito
Luís Vaz de Camões



Pode Um Desejo Imenso é um romance dividido em três. A edição que li, mais nova, vem com os três juntos; O Curso das Estrelas, Pode um Desejo Imenso e À Beira-Mar, do jeito que o autor queria. No entanto, quando foram lançados pela primeira vez, separadamente, a ordem começava com o segundo, e depois o primeiro e o terceiro.

O autor, o português Frederico Lourenço, é um erudito. Helenista e especialista em Camões, ele traduziu a bíblia recentemente. Essa erudição fica patente nas inúmeras referências a poemas clássicos que aparecem na obra. Acho que o desconhecimento dessas referências, que é bem o meu caso, empobrece no geral a experiência de leitura deste livro.

Em que pese a minha falta de erudição nesse ponto, o livro é muito bom, e recomendo. Conta a história de Nuno, em três fases. Na primeira, o jovem estudante de letras de vinte e poucos anos está às voltas com decisões importantes sobre sua carreira, vida amorosa e a presença ao mesmo tempo demandante e provedora de sua mãe. Na segunda, já estabelecido profissionalmente, se depara com as frustrações de seus desejos, tanto amorosos como acadêmicos. Na terceira e última aparece uma espécie de reconciliação consigo mesmo e com o passado. De maneira muito realista, e com uma bela escolha de palavras, são mostradas as relações de Nuno com seus amigos, seu estudo e seus amores, nas numerosas idas e vindas que podem acontecer em uma vida. E também como essas relações se transformam ao longo do tempo, às vezes de maneira muito sutil.

A história flui muito bem, com muitas sutilezas. A parte mais difícil são mesmo as referências de poesia clássica que não pesquei, mas de resto vai tranquilamente. Alguns detalhes ficam implícitos, mas não chegam a ficar crípticos ou herméticos, e são desvelados sem alarde.

Lourenço não tem a genialidade e a originalidade de outros autores portugueses contemporâneos como Saramago e valter hugo mãe, nem a beleza da narrativa de Miguel de Sousa Tavares, mas esta obra combina sensibilidade, realismo e lirismo com um pouquinho de humor. Uma história bonita, um livro agradável de se ler.

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